Entrevista com Charles White
Exposição 121 Bonsais de Charles White
Entre na galeria e veja mais fotos da exposição:
Estou muito feliz por conseguir publicar aqui no blog algumas entrevistas com bonsaístas brasileiros que eu admiro. A quarta entrevista traz um pouco dos trabalhos e das idéias do bonsaísta Charles White. Queria aqui agradecer a disponibilidade e a ajuda em divulgar a nossa arte.
1 – Quando você se interessou e começou a se dedicar à arte do bonsai?
Sempre gostei de plantas, principalmente as decorativas e, no final dos anos 80, minha atenção começou a se voltar ao bonsai que, aliás, só via por fotos. Em 1990 ganhei um e isto, definitivamente, marcou meu início. Parti então em busca de mais informações, comprando todos os livros que encontrava, assim como plantas, nas quais tentava aplicar as técnicas que ia gradativamente aprendendo.
Este processo de aprendizagem se mantém até hoje, embora de forma muito mais dinâmica e interativa; porém, cada vez mais me evidenciando o pouquíssimo que sei e, por isso mesmo, me motivando a seguir nesta busca.
2 – Quais espécies você mais gosta de trabalhar ?
Diria que, mais do que espécies de predileção, tenho meus períodos de maior dedicação à diferentes espécies. Atualmente tenho trabalhado mais com algumas nativas brasileiras como jabuticabeira, calliandra spinosa e depauperata e pithecolobium tortum. Acer buergerianum é outra espécie que me agrada muito e eles estão sempre presentes no meu acervo, predominantemente shohin. Meu foco para o futuro é trabalhar com coníferas em geral, espécies que admiro muito. Sua grande versatilidade representam um belíssimo desafio e estímulo para a criatividade.
3 – Que espécie você gostaria de trabalhar na sua região mas as circunstâncias de clima e adaptação não permitem ?
A imensa variedade de acer sempre me fascinou e, por anos, insisti no cultivo de todas as variedades que me caíssem em mãos. Minhas infinitas tentativas de combater todas as manifestações adversas que estas variedades apresentavam se mostraram sistematicamente infrutíferas. Assim, por respeito às plantas, decidi por cultivar apenas as 2 variedades que se comportam bem no clima de São Paulo, que são o acer buergerianum e o acer miyassama.
Larix decidua é outra variedade de conífera que, se as condições climáticas permitissem, certamente fariam parte de minha coleção. Características como o tamanho das agulhas, a tonalidade do verde, a textura da casca, as proporções mínimas dos frutos, entre outras, tornam para mim esta planta absolutamente especial.
Wolfgang Putz
European Larch (Larix decidua) – Fall Colors / 72cm
Yamadori nos Alpes Austríacos em 1995
4 – Dos seus trabalhos, qual você destaca com um carinho especial? Me fale um pouco sobre ele.
Tenho uma malpighia coccigera que cultivo há cerca de 18 anos e estimo ter mais de 22 anos, que suportou com muita valentia meus primeiros anos de aprendizagem, sempre saudável e florindo em abundância, o que me fez concluir que esta espécie é perfeita para iniciantes!
Esta malpighia é hoje um shohin com 18cm de altura e sua estética me agrada, embora esteja longe de ser um bonsai de destaque! Talvez pelo fato de ser a única que tenho dessa espécie, o tempo que está comigo, tamanho, robustez, floração e frutificação, definam meu especial carinho por ela!
5 – Você gosta mais de algum estilo de bonsai em particular ? Qual ?
Não! Impossível afirmar que eu tenha predileção por algum estilo! Um bonsai bem conduzido, seja em que estilo for, é capaz de me encantar. Gosto dos de plantas e estilos que apresentam mais movimento e mesmo alguma dramaticidade, como madeira morta bem trabalhada.
Poderia sim, dizer que os estilos que apresentam menos movimento e mais simetria me passam certa sensação de estática, por exemplo, chokan e hokidachi. Não que sejam menos bonitos, mas apenas me provocam menos impacto visual e sensações.
6 – O que a arte do bonsai agregou à sua vida ?
Absolutamente sem que fosse uma razão para cultivar bonsai, esta prática me trouxe uma série de benefícios e, entre eles, cito apenas alguns:
– profissionalmente atuo na área financeira e, sendo o stress uma constante, o bonsai acaba sendo um contra-ponto perfeito, me permitindo relaxar “trabalhando” com eles, ainda que seja por alguns minutos ao final do dia.
– o fato de cultivar bonsai, em vasos de pequenas dimensões, totalmente dependentes de regas, nutrientes, podas, e uma série de outros cuidados, ampliou minha consciência também em outras esferas. Hoje me sinto mais atento a tudo e todos que, de alguma forma, necessitam ou dependam de minha atenção, me tornando assim, mais ciente de minhas responsabilidades, mais presente e participativo.
– minha capacidade de observação, contemplação e respeito pela natureza aumentou muito e estendeu-se para outras áreas onde harmonia e equilíbrio contribuem para o bem estar.
– por fim, cito como um maravilhoso “efeito colateral” do cultivo de bonsai o fato de poder fazer novas amizades, viajar, conhecer novas culturas, fato que, além do prazer que proporciona, me permite continuar o eterno aprendizado desta arte ímpar!
7 – Você acha que um bonsai deve seguir uma ordem rígida de técnicas e estética, ou deve seguir uma forma mais livre e artística ?
Penso que esta questão estará sempre em pauta e nunca se esgotará, pois depende da visão de cada praticante. Minha visão pessoal é de que, ao iniciar na arte bonsai, queria ou não, temos que buscar referências, ao menos para saber o que distingue bonsai de outras plantas de jardinagem.
Nessa busca, vamos então nos deparar com as regras básicas que se aplicam ao bonsai e que, em minha opinião, devem ser a base de todos que iniciam. Discordo totalmente de iniciantes que, sem noção das regras, dizem preferir não se prender a elas e, assim, fazerem um trabalho mais “livre” e mais “natural”.
Sendo o bonsai uma arte quase milenar, seria muita falta de humildade de minha parte não dar valor a estas regras! Como desprezar um aprendizado que, ao longo dos séculos e pelos maiores mestres na arte bonsai, foi sendo criado e documentado, sempre na busca do equilíbrio e harmonia e, mais ainda, tendo a Mãe Natureza como inspiração maior? A busca sempre foi no sentido de fazer com que o bonsai fosse uma réplica em escala menor das árvores, tal como se encontram na natureza, e não fazer do bonsai uma livre criação estética do homem! Mais uma vez, a natureza, em suas infinitas variáveis, também inspirou os diferentes estilos de bonsai, cada um deles procurando mostrar os efeitos de suas forças ao longo da vida das árvores.
Penso que a forma mais livre e artística pode ser praticada após alguns anos de prática comprometida com as regras, até chegar ao ponto de serem aplicadas sem que o praticante sequer pense nelas!
Acredito que o momento em que o bonsaísta começa a criar com mais liberdade e ousadia, chega de forma mais natural que planejada. Neste ponto, ele já estará de tal forma impregnado pelas regras que, ao infringi-las, terá a clareza do porquê fazê-lo e, mais ainda, a percepção e sensibilidade de que o resultado final será melhor. Às vezes, ainda que não seja intencional, estes bonsais começam a mostrar características particulares que acabam por definir a “marca registrada” de seu criador.
8 – Que bonsaísta (um ou mais) chama a sua atenção hoje, no cenário mundial?
Sem dúvida o Japão continua sendo o celeiro das maiores autoridades no bonsai, e seria extensa a lista de mestres de renome. Entretanto, eu citaria Masahiko Kimura, um bonsaísta que desenvolveu um estilo onde predomina muito trabalho em madeira morta, com muito movimento e menos verde, estilo este que, no início, criou grandes controvérsias no Japão. Em poucos anos, entretanto, seu estilo conquistou mais e mais adeptos e prêmios e hoje, não apenas no Japão, mas em todo o mundo, Kimura é reconhecido como um gênio no bonsai. Mais que isso, quebrou paradigmas e praticamente definiu uma nova escola dentro da arte bonsai.
Admiro John Naka que, embora nascido nos EUA, viveu no Japão dos 8 aos 21 anos e, sob orientação de seu avô, passou por um grande aprendizado na arte bonsai. Naka aprofundou estudos ligados a técnicas, regras, proporções, estilos, sempre usando seus próprios desenhos para exemplificar suas propostas. Foi um grande divulgador do bonsai no Ocidente e escreveu os livros Bonsai Techniques I e II, que são considerados, por muitos bonsaístas, como os melhores livros técnicos sobre bonsai.
Gosto dos trabalhos de Walter Pall por transmitirem uma naturalidade impressionante. A imagem das árvores na natureza, incluindo suas qualidades e “defeitos”, é reproduzida de maneira magistral em seus bonsais. Num momento em que os estilos são cada vez mais caricaturas de árvores, sempre mais baixos e de troncos mais grossos, Walter Pall resgata o estilo naturalístico que, espero, também faça escola entre nós.
Por fim, cito Salvatore Liporace, italiano, discípulo de Kimura e titular do Studio Botanico, com sede em Milão e também da Escola Européia de Bonsai. Liporace é mestre de reconhecimento mundial e, particularmente na Itália, onde o bonsai é praticado em altíssimo nível. Sem dúvida Liporace contribuirá para o desenvolvimento da arte bonsai no Brasil, nos oferecendo cursos de sua escola. Além dele pessoalmente ministrar seus cursos, vem também qualificando bonsaístas brasileiros para serem multiplicadores de seus ensinamentos.
9 – Que conselhos você poderia dar para quem está começando a se dedicar a arte do bonsai?
– Busque informações de todas as formas, livros, internet, eventos. Busque entrosamento com colegas iniciantes e com bonsaístas mais experientes. Interaja, pergunte, questione, participe.
– Conheça a fisiologia básica das plantas que possui, antes de fazer nelas intervenções indiscriminadamente.
– Pratique muito, procurando aplicar na prática os ensinamentos, regras, técnicas e estilos. Se possível, procure ter mais de uma planta entre as mais recomendadas para iniciantes.
– Procure se limitar ao básico, seja com relação a ferramentas, subtratos, fertilizantes, plantas e vasos. Evite sofisticações e custos desnecessários na fase inicial.
– Acima de tudo, pratique paciência e humildade, respeite suas plantas e assuma com elas um compromisso de responsabilidade. Afinal, foi sua escolha mantê-las em vasos, tornando-as totalmente dependentes de seus cuidados!

Charles apoiando a demonstração de Suthin Sukosolvisit da Tailândia na sua demontração no evento “Bonsai 2010”.
10- O que você acha que está faltando ser feito no Brasil para um maior crescimento e organização da arte bonsai para que ele tenha o mesmo crescimento que a Espanha, Itália, Alemanha, etc…?
Se olharmos o estágio da arte bonsai no Brasil hoje, comparando com o que era há 20 anos, fica evidente que a e evolução vem acontecendo a passos largos.
Não cresce simplesmente o número de novos bonsaístas mas, também, a qualidade técnica e estética das plantas, quantidade e nível dos eventos, reunindo as melhores competências nacionais e trazendo cada vez mais bonsaístas de renome internacional. Uma evidência desta evolução é o fato de vários bonsaístas nacionais já estarem sendo convidados como demonstradores em importantes eventos no exterior.
O crescimento do mercado consumidor brasileiro tem estimulado a criação de novos empreendimentos e negócios que, por sua vez, vem suprindo os praticantes com mais produtos e insumos, não disponíveis anos atrás, embora ainda longe do que se encontra em países onde a arte bonsai é bem desenvolvida.
Ainda assim, há muito a ser feito!
Penso que o bonsai no Brasil encontra-se numa fase de transição em que os eventos começam a exigir estruturas e organizações gradativamente mais profissionais, com exposições de nível mais nacional e menos regional.
O passo seguinte seria o Brasil sediar eventos internacionais, ampliando ainda mais o intercâmbio de conhecimentos.
Vejo ainda despontar a necessidade de se criar uma entidade em nível nacional que, em sintonia com as organizações regionais, busque bons exemplos do exterior na organização de exposições e eventos, proponham regras e critérios voltadas aos bonsai expostos, assim como sua correta avaliação. A meu ver, seria desejável que os ocupantes de cargos diretivos nesta organização não sejam profissionais do bonsai, minimizando-se assim eventuais conflitos de interesses, priorizando-se ações voltadas à efetiva divulgação e desenvolvimento da arte.
Creio ser interessante a organização de eventos que ofereçam, além de atividades disponíveis a inscritos pagantes, amplo acesso a exposições e mercado de produtos e plantas, ao grande publico que ainda desconhece o bonsai, a custos simbólicos.
Certamente existe ainda uma extensa lista de pontos a serem aperfeiçoados, mas acredito que os esforços que já vêm sendo empreendidos, somados aos bons exemplos do exterior, gradativamente trarão um desenvolvimento que colocará o Brasil, em mais alguns anos, como um dos pólos de excelência na arte bonsai.
11 – Diga uma frase, um pensamento, que você ache que sintetiza nossa arte.
Bonsai é arte viva que nos alimenta a alma em sua exuberante beleza! É criação que brinda seu criador com lições preciosas que, quando entendidas e aplicadas, enriquecem nossa vida!
28 d e novembro d e 2010 às 17:12
Parabens pela reportagem. Ficou muito boa.
Conheci Charles no X Encontro da Bonsai Romagnoli. tinha uns trabalhos muito interesante. Vejo fotos de suas arvores, que vão ficando cada vez melhor.
Abraços.
28 d e novembro d e 2010 às 17:20
Charles White é, hoje, um dos grandes nomes do bonsai nacional. Entusiasta, sempre disposto a esclarecer dúvidas e dirimir resultados, está mais que antenado com tudo de bom e de novidade que acontece no universo dessa nobre arte em evolução. Aprecio muitissimo sua pessoa, um nobre e bom amigo, e busco em seu profissionalismo e dinâmica, aprender com ele como me tornar um bonsaista tambem. Parabens, Paulo, por mais essa excelente entrevista, é gratificante ver e ler em sua pagina uma entrevista agradavel, com um grande bonsaista como o Charles.
29 d e novembro d e 2010 às 08:48
Querido Paulo, minha expectativa por esta entrevista foi totalmente saciada. Eu não poderia esperar exclarecimentos e posiciomanentos mais bem colocados interligando todas as suas indagações . Conheci o Charles mais um pouco e hoje me sinto muito feliz de saber que faço parte de sua vida como uma amiga. Me sinto muito bem, obrigada. Belo trabalho!
29 d e novembro d e 2010 às 08:59
Oi querida ! fico feliz de estar conseguindo dividir aqui um pouco das idéias e trabalhos desses grandes bonsaístas. Um grande abraço !
29 d e novembro d e 2010 às 17:23
Você é o cara.
Sou seu fã de carteirinha, número 1.
abraços
29 d e novembro d e 2010 às 19:06
Saudades ! Estava hoje mexendo mo seu ficus ! Grande abraço !
30 d e novembro d e 2010 às 19:51
Grande Paulo…
É uma honra partilhar um pouco do meu trabalho num site tão rico como o seu!… Te parabenizo pelo belo trabalho que voce vem fazendo na divulgaçao da arte bonsai… e dos bonsaístas brasileiros!…
Obrigado pela oportunidade… e um grande abraço…
Charles
30 d e novembro d e 2010 às 19:53
Luis, Nick, Vânia… agredeço demais ao apoio dos amigos e me sinto privilegiado por apreciarem meu trabalho!
Grande abraço a todos…
Charles
30 d e novembro d e 2010 às 19:54
Luis, Nick, Vânia… agredeço muito o apoio dos amigos e me sinto privilegiado por apreciarem meu trabalho!
Grande abraço a todos…
Charles
30 d e novembro d e 2010 às 21:37
Eu é que agradeço a sua presença aqui nesse Blog. O Aido Bonsai é seu para tudo que quiser divulgar ! abração
30 d e novembro d e 2010 às 21:49
Paulo, cada vez mais fico fascinado com o modo objetivo e tranquilo que Charles trata o bonsai. Com esta entrevista você conseguiu tirar a essência deste grande bonsaista que é Charles White. Muitos de seus pensamentos coadunam com os meus! Ainda espero novos encontros com este gentleman da arte Bonsai! Parabéns, Charles, um grande abraço!! Paulo, parabéns por mais esta entrevista perfeita.
1 d e dezembro d e 2010 às 18:36
Salve João ! Muito obrigado pela força, o Charles realmente é um bonsaísta muito especial. Grande abraço !
2 d e dezembro d e 2010 às 19:20
João, agradeço muito seus comentários, gentis e motivadores!… Com certeza nos veremos em muitos outros eventos e, qdo vier a Sampa, venha conhecer meu canto de bonsai!… Abraço!
5 d e dezembro d e 2010 às 19:03
Paulo, excelente essa série de entrevistas que vc está fazendo. Sou fã do Charles há um bom tempo, admiro o refinamento das plantas dele, acabamento é estremamente primoroso, além de ser uma pessoa fantástica. Parabéns a vocês dois
6 d e dezembro d e 2010 às 20:30
Obrigado Ney, um grande abraço !
7 d e dezembro d e 2010 às 21:41
Grande Ney… valeu por suas palavras… Legal que voce curta meu trablho!
Sobre o Paulo, também o parabenizei não só pelas entrevistas com os colegas bonsaístas, mas pela riqueza de todo o blog dele!.. Grande abraço!…
18 d e dezembro d e 2010 às 21:40
Ao amigão CharLes pelas plantas belíssimas e ao amigão Paulo pela sua organização. Tudo muito bom, de alto nível mesmo. Fico imensamente feliz em ler/ver artigos como esses.
Grande abraço a todos,
Ratto
18 d e dezembro d e 2010 às 21:43
Fala querido ! Seu adubo é o BIXOOOOOOOO ! Está impressionante a resposta das plantas ! Parabéns !
28 d e janeiro d e 2011 às 10:48
Valeu Ratto!… agradeço muito suas palavras gentis!!!… Assim como voce, admiro o trabalho do Paulo, grande cara, que já me deu o prazer de uma visita a minha casa!
Sobre seu adubo, tô curioso!….rs
Grande abraço
Charles
28 d e junho d e 2011 às 08:25
Eu sinto que a minha outra encarnação com bonsai foi na china, como sei que a do Charles foi no Japão.
A geometria da pagoda das construções flue magneticamente das mãos dele nas plantas, dá para sentir a solidez das telhas nas camadas de ramos que ele elabora.
Grande abraço Charles e Paulo.
28 d e junho d e 2011 às 22:58
Grande abraço ! obrigado por visitar o blog !
24 d e outubro d e 2017 às 20:51
Ótima entrevista. Enriquecedora.
Parabéns a todos envolvidos.
Grande abraço